Entre os casos, um deles pode ser considerado o mais
escancarado. Foi há dez anos, em Campestre da Serra. A prefeita na época
decidia quem ficaria no cargo no concurso para professores da rede municipal.
A negociação entre ela e o dono da empresa que realizou o
concurso foi gravada pelo Ministério Público. O diálogo é transcrito abaixo:
Mário César Sauer (sócio-proprietário da empresa Marcesa) -
Educação Infantil… só passou a Taíssa… Taíssa Confortin.
Orênia Gomes Goeltzer (ex-prefeita) - Só passou a Taíssa?
Mário César Sauer - Hum.
Orênia Gomes Goeltzer - Bah, e eu precisava da Carine
Dall'Sotto. Que a outra vez essa guria aí, bah, não... mora aqui.
Mário César Sauer - Hum. Pode ser em segundo?
Orênia Gomes Goeltzer - Não, eu… Não pode ser primeiro?
Mário César Sauer - Não, até pode, é que a outra teve uma
nota bem alta.
Orênia Gomes Goeltzer - E essa aí… Essa guria ficou em que
lugar?
Mário César Sauer - Último.
Orênia Gomes Goeltzer - Último lugar? Mas é brincadeira. Tá
louco (...) Não, eu acho que essa Carina tu pode botar em primeiro.
A professora Taíssa Confortin, que realmente foi aprovada na
prova, acabou desclassificada pela fraude. “O que me deixou mais magoada ainda
é passar na minha frente alguém que nem passado no concurso tinha”, lamenta.
“Eu estaria há dez anos nessa profissão, trabalhando com
educação infantil em Campestre da Serra. Não foi isso que o destino quis”.
A ex-prefeita Orenia Goeltzer se recusou a falar sobre o
concurso. “Sobre outras coisas, tudo bem. Sobre aquilo lá, não”.
Ela se limitou a dizer que “às vezes se erra sem
querer". “Às vezes, você pode errar, mas não porque quer. Que a gente erra
sem querer. Mas não gostaria".
O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que
no início de abril confirmou a condenação de todos os envolvidos: a
ex-prefeita, a secretária de Educação do município na época, as candidatas que
entraram nas vagas depois da fraude e o dono da empresa que realizou o
concurso.
O processo agora está na fase de execução de sentenças de
primeiro grau, que foi o que manteve a Superior Instância.
A reportagem localizou algumas das pessoas que entraram por
meio da fraude. Mas ninguém aceitou gravar entrevista. Foi o caso de Janaína
Macari Pellizzari.
“Eu não quero falar nada daquele concurso. Esse concurso só
me trouxe transtorno. Eu não quero falar nada, tá?"
“Ela não está", disse Valdirene Baticini, tentando
despistar a reportagem. "Sou eu, mas eu não quero falar", confessou
instantes depois.
Mário Cesar Sauer, da empresa Marcesa, que realizou o
concurso em Campestre da Serra, trabalha na prefeitura de Sananduva e, pela
condenação, deve perder o emprego. Procurado, ele não quis se manifestar.
A Marcesa Serviços e Informática Ltda. ficou proibida pela
Justiça de organizar concursos públicos por oito anos. Hoje, a empresa não
existe mais.
Em Cristal do Sul, dos 26 aprovados, 23 são ligados a
prefeito e vice
Outro caso ocorreu em Cristal do Sul. Dos 26 aprovados em
concurso para a prefeitura, 23 são parentes do prefeito e da vice-prefeita ou
ligados a eles politicamente.
Entre os aprovados, está a filha da vice prefeita, primeira
colocada para enfermeira. Ela foi encontrada pelos repórteres de Zero Hora,
Humberto Trezzi e Lauro Alves.
“Onde que diz que a filha de vice-prefeita ou filha de prefeito
não pode se inscrever em concurso?”, questionou.
O concurso em Cristal do Sul foi suspenso. Um desembargador
avaliou como uma “impressionante coincidência o parentesco dos aprovados com
prefeito e a vice-prefeita em Cristal do Sul”. Para o Ministério Público, o
concurso foi um "simulacro".
Foram identificadas pelo menos
três tipos de fraudes, que são mais comuns. Em uma delas, a licitação é
combinada entre as empresas organizadoras de concursos. Assim, elas que definem
quem será contratado pelo município. Em alguns casos, o prefeito e os
vereadores nem sabem dessa combinação.
Outro esquema, o mais comum, é
a escolha dos concursados. Depois das provas, o organizador do concurso, já
definido através de licitação, oferece ao prefeito ou ao presidente da Câmara
de Vereadores a possibilidade de aprovar quem eles desejarem. Ou aceita que
eles escolham os aprovados.
O terceiro tipo de fraude é a
venda da vaga. Com o pagamento de suborno, o candidato acerta com o organizador
do concurso a própria aprovação, sem o conhecimento de um prefeito ou vereador.