Empório Morello

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quinta-feira, 4 de maio de 2017

Prefeita escolhe professora que não passou em concurso


Entre os casos, um deles pode ser considerado o mais escancarado. Foi há dez anos, em Campestre da Serra. A prefeita na época decidia quem ficaria no cargo no concurso para professores da rede municipal.




A negociação entre ela e o dono da empresa que realizou o concurso foi gravada pelo Ministério Público. O diálogo é transcrito abaixo:

Mário César Sauer (sócio-proprietário da empresa Marcesa) - Educação Infantil… só passou a Taíssa… Taíssa Confortin.
Orênia Gomes Goeltzer (ex-prefeita) - Só passou a Taíssa?
Mário César Sauer - Hum.
Orênia Gomes Goeltzer - Bah, e eu precisava da Carine Dall'Sotto. Que a outra vez essa guria aí, bah, não... mora aqui.
Mário César Sauer - Hum. Pode ser em segundo?
Orênia Gomes Goeltzer - Não, eu… Não pode ser primeiro?
Mário César Sauer - Não, até pode, é que a outra teve uma nota bem alta.
Orênia Gomes Goeltzer - E essa aí… Essa guria ficou em que lugar?
Mário César Sauer - Último.
Orênia Gomes Goeltzer - Último lugar? Mas é brincadeira. Tá louco (...) Não, eu acho que essa Carina tu pode botar em primeiro.
A professora Taíssa Confortin, que realmente foi aprovada na prova, acabou desclassificada pela fraude. “O que me deixou mais magoada ainda é passar na minha frente alguém que nem passado no concurso tinha”, lamenta.

“Eu estaria há dez anos nessa profissão, trabalhando com educação infantil em Campestre da Serra. Não foi isso que o destino quis”.
A ex-prefeita Orenia Goeltzer se recusou a falar sobre o concurso. “Sobre outras coisas, tudo bem. Sobre aquilo lá, não”.

Ela se limitou a dizer que “às vezes se erra sem querer". “Às vezes, você pode errar, mas não porque quer. Que a gente erra sem querer. Mas não gostaria".

O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que no início de abril confirmou a condenação de todos os envolvidos: a ex-prefeita, a secretária de Educação do município na época, as candidatas que entraram nas vagas depois da fraude e o dono da empresa que realizou o concurso.

O processo agora está na fase de execução de sentenças de primeiro grau, que foi o que manteve a Superior Instância.

“As penalidades vão de perda de cargo público, suspensão dos direitos políticos, uma multa que chega a quase R$ 200 mil para todos os réus que forem condenados”, diz o promotor de Justiça de Vacaria Luis Augusto Gonçalves Costa. "Esse processo se prolongou ao longo de dez anos."

A reportagem localizou algumas das pessoas que entraram por meio da fraude. Mas ninguém aceitou gravar entrevista. Foi o caso de Janaína Macari Pellizzari.
“Eu não quero falar nada daquele concurso. Esse concurso só me trouxe transtorno. Eu não quero falar nada, tá?"

“Ela não está", disse Valdirene Baticini, tentando despistar a reportagem. "Sou eu, mas eu não quero falar", confessou instantes depois.
Mário Cesar Sauer, da empresa Marcesa, que realizou o concurso em Campestre da Serra, trabalha na prefeitura de Sananduva e, pela condenação, deve perder o emprego. Procurado, ele não quis se manifestar.

A Marcesa Serviços e Informática Ltda. ficou proibida pela Justiça de organizar concursos públicos por oito anos. Hoje, a empresa não existe mais.

Em Cristal do Sul, dos 26 aprovados, 23 são ligados a prefeito e vice
Outro caso ocorreu em Cristal do Sul. Dos 26 aprovados em concurso para a prefeitura, 23 são parentes do prefeito e da vice-prefeita ou ligados a eles politicamente.
Entre os aprovados, está a filha da vice prefeita, primeira colocada para enfermeira. Ela foi encontrada pelos repórteres de Zero Hora, Humberto Trezzi e Lauro Alves.
“Onde que diz que a filha de vice-prefeita ou filha de prefeito não pode se inscrever em concurso?”, questionou.

O concurso em Cristal do Sul foi suspenso. Um desembargador avaliou como uma “impressionante coincidência o parentesco dos aprovados com prefeito e a vice-prefeita em Cristal do Sul”. Para o Ministério Público, o concurso foi um "simulacro".

Foram identificadas pelo menos três tipos de fraudes, que são mais comuns. Em uma delas, a licitação é combinada entre as empresas organizadoras de concursos. Assim, elas que definem quem será contratado pelo município. Em alguns casos, o prefeito e os vereadores nem sabem dessa combinação.
Outro esquema, o mais comum, é a escolha dos concursados. Depois das provas, o organizador do concurso, já definido através de licitação, oferece ao prefeito ou ao presidente da Câmara de Vereadores a possibilidade de aprovar quem eles desejarem. Ou aceita que eles escolham os aprovados.
O terceiro tipo de fraude é a venda da vaga. Com o pagamento de suborno, o candidato acerta com o organizador do concurso a própria aprovação, sem o conhecimento de um prefeito ou vereador.